sábado, 23 de agosto de 2014

Numa quinta-feira qualquer... (pseudo-ficção)

Seis e meia da manhã, em pé. Preparado para mais um dia onde o maior esforço é manter-se acordado durante 10 horas/aulas e 4 viagens de ônibus em Natal. Sem o café a vida seria um simples sono em lugares alternados, e sem a colaboração dos buracos nas vias natalenses, o café seria apenas mais um líquido que se toma quente para depois tirar alguns cochilos nas duras cadeiras do transporte público da capital Potiguar (se você não estiver em pé, é claro).

A dura rotina de um jovem estudante, que parece mole para alguns, toma todo o seu dia, fazendo sua semana parecer um vulto. Não. Um furacão, quem sabe. Passa rápido e lhe deixa cansado.

De manhã tudo é esperança: “será que dará tempo de almoçar?”. À tarde, tudo é cansaço: “o que foi dito na aula? Acabei dormindo”. À noite, tudo é uma viagem: “Heidegger afirma que temos que saber formular direito a pergunta sobre a questão do Ser. Mas ele não responderá, só perguntará”.

O fechamento do dia, depois das 22h, traz ao jovem três esperanças que lhe dão alegria: 1. chegarei em casa e jantarei; 2. tomarei banho depois quase 18 horas, e; 3. poderei descansar.
Entre a última aula e a expectação presente do futuro de esperança, existe um tempo presente de aflição e desconfiança, de angustia e ansiedade, de desconforto e descontentamento, tudo somado ao azar.


Quem mora na Zona Norte de Natal e estuda “do outro lado”, à noite, sabe quão ralado é depender do transporte público velho, inseguro e superlotado dessa cidade. E se pegar ônibus depois das 22h para voltar pra casa, entenderá muito bem que se faz necessário pegar o primeiro que passar. Mesmo cheio. E é isso que aconteceu. Mas o futuro, que só passa a existir quando virá presente, não corresponde aquilo que você esperava no presente, que virou passado e deixou de existir.

O jovem entra no ônibus cheio e ver passar outro ao lado, cheio de cadeiras vagas, à espera de pessoas cansadas para ocupa-las. Mas já não seria ele que sentaria numa delas. Estava em pé, noutro ônibus, lotado. E ia assim até seu destino.

A tormenta da viagem ainda não havia acabado. Não bastava está cansado e ir em pé. Não bastava ir balançado enquanto tentava se entreter no whatsapp. Não, não bastava. O futuro incerto e inexistente, quando viesse a ser presente, lhe traria surpresas desagradáveis.

Naquela noite, aquele jovem, cansado e com fome, ainda havia de passar por mais uma.

Como de costume, entrou alguém no ônibus para pedir ajuda financeira. Um senhor, barbudo, magro, de mochila nas costas e fedido. Possivelmente desconhecedor da lei física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Esse senhor, desconhecendo tal lei, joga o seu corpo para onde estava o jovem, chocando-se sorrateiramente com ele. E já não bastava o odor fétido que vinha impregnado no corpo do velho, pois quando ele abriu a boca para pedir dinheiro, tomou conta do ar um terrível bafo de cana. Não dava para piorar.

Devagarinho o jovem se afastou, e pensou: “incrivelmente desejo mais um banho do que comida”.

Aquele episódio marcou mais um fechamento de dia para o jovem. Mais um dia que passou e lhe trouxe surpresas conhecidas. Mais um dia que se foi, com a esperança de que outro virá.

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