Seis e meia da manhã, em pé.
Preparado para mais um dia onde o maior esforço é manter-se acordado durante 10
horas/aulas e 4 viagens de ônibus em Natal. Sem o café a vida seria um simples
sono em lugares alternados, e sem a colaboração dos buracos nas vias
natalenses, o café seria apenas mais um líquido que se toma quente para depois
tirar alguns cochilos nas duras cadeiras do transporte público da capital
Potiguar (se você não estiver em pé, é claro).
A dura rotina de um jovem
estudante, que parece mole para alguns, toma todo o seu dia, fazendo sua semana
parecer um vulto. Não. Um furacão, quem sabe. Passa rápido e lhe deixa cansado.
De manhã tudo é esperança: “será
que dará tempo de almoçar?”. À tarde, tudo é cansaço: “o que foi dito na aula?
Acabei dormindo”. À noite, tudo é uma viagem: “Heidegger afirma que temos que
saber formular direito a pergunta sobre a questão do Ser. Mas ele não
responderá, só perguntará”.
O fechamento do dia, depois das
22h, traz ao jovem três esperanças que lhe dão alegria: 1. chegarei em casa e
jantarei; 2. tomarei banho depois quase 18 horas, e; 3. poderei descansar.
Entre a última aula e a expectação presente do futuro de esperança, existe um
tempo presente de aflição e desconfiança, de angustia e ansiedade, de
desconforto e descontentamento, tudo somado ao azar.
Quem mora na Zona Norte de Natal
e estuda “do outro lado”, à noite, sabe quão ralado é depender do transporte
público velho, inseguro e superlotado dessa cidade. E se pegar ônibus depois
das 22h para voltar pra casa, entenderá muito bem que se faz necessário pegar o
primeiro que passar. Mesmo cheio. E é isso que aconteceu. Mas o futuro, que só
passa a existir quando virá presente, não corresponde aquilo que você esperava
no presente, que virou passado e deixou de existir.
O jovem entra no ônibus cheio e
ver passar outro ao lado, cheio de cadeiras vagas, à espera de pessoas cansadas
para ocupa-las. Mas já não seria ele que sentaria numa delas. Estava em pé,
noutro ônibus, lotado. E ia assim até seu destino.
A tormenta da viagem ainda não
havia acabado. Não bastava está cansado e ir em pé. Não bastava ir balançado
enquanto tentava se entreter no whatsapp. Não, não bastava. O futuro incerto e
inexistente, quando viesse a ser presente, lhe traria surpresas desagradáveis.
Naquela noite, aquele jovem,
cansado e com fome, ainda havia de passar por mais uma.
Como de costume, entrou alguém no
ônibus para pedir ajuda financeira. Um senhor, barbudo, magro, de mochila nas
costas e fedido. Possivelmente desconhecedor da lei física que diz que dois
corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Esse senhor, desconhecendo tal
lei, joga o seu corpo para onde estava o jovem, chocando-se sorrateiramente com
ele. E já não bastava o odor fétido que vinha impregnado no corpo do velho,
pois quando ele abriu a boca para pedir dinheiro, tomou conta do ar um terrível
bafo de cana. Não dava para piorar.
Devagarinho o jovem se afastou, e
pensou: “incrivelmente desejo mais um banho do que comida”.
Aquele episódio marcou mais um
fechamento de dia para o jovem. Mais um dia que passou e lhe trouxe surpresas
conhecidas. Mais um dia que se foi, com a esperança de que outro virá.
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